terça-feira, 29 de setembro de 2009

Horário nobre

(Tamy Fernandes)

"Veículo ágil, versátil, moderno e verdadeiramente acolhedor". Tal frase não faz parte de nenhum anúncio publicitário lançando algum modelo novo de automóvel no mercado, mas descreve exatamente a apinião de Bruno Giordani, 17 anos, estudante de moda, sobre o que é a TV atualmente.

Além dele, milhares de jovens, crianças, adultos e até mesmo a chamada "geração experiente", acompanham dia-a-dia a programação televisiva.

De fato, acompanhar tal programação todos os dias não se faz tão preocupante, o problema, é que a maioria das pessoas confunde vida com novela.

Isso só acontece porque o poder de exibir ou ocultar imagens e informações está nas mãos de poucos, e desse pouco que governa a mídia, todos agem em prol do mesmo interesse: moldar telespectadores. Na teoria, esse interesse parece ser inalcançável, porém, na prática, isso ocorre sem nenhum impedimento, á medida que nos dias de hoje, dificilmente vejamos alguém que não tenha um aparelho de TV em casa.

Como dizia a letra de Leci Brandão: "Na hora que a televisão brasileira distrái toda gente com a sua novela, o Zé do Caroço batalha, o Zé do Caroço trabalha e malha o preço na feira". O Brasil é feito de milhares de "Zés do Caroço", e a todos eles são direcionadas programações controladas.

Algo que os faça esquecer de todo problema político-social brasileiro, dos salários baixos, da fome e do desemprego, e os faça acreditar que, realmente, a vida é uma novela.

A TV manipulada desvia os olhos da sociedade dos problemas públicos e os coloca diretamente nos monitores dos aparelhos de TV.

A solução para o problema seria abrir portas para o povo. E dar espaço ao povo, não significa dar um papel principal a um cidadão comum em uma novela, mas sim dar acesso a esse indivíduo na produção da TV. Aí sim seriam os valores do povo na tela, e não os valores impostos ao povo pela tela.

Por mais justa que pareça tal teoria, na prática, o sonho de uma TV sem manipulação é quase que impossível de se realizar. Uma sociedade sem imprensa, por exemplo, é algo impensável.

Se não manipulada, a TV seria a porta voz do povo. Enquanto isso não acontece, o povo vai ficando, e cada dia mais, sem voz.

Mais do que globalizados, estamos, demasiadamente, "Globalizados".

quinta-feira, 24 de setembro de 2009

SE

(Tamy Fernandes)

Continuo correndo cansado, cambaleando certamente, contudo, continuo correndo, - calma cavalheiro! cuidado! -, continuo correndo. Curva. Cavalo - "clap clap clap". Campos. Colheita. Camponeses. Capangas calados cutucando coitados. Continuo correndo, - calma cavalheiro! cuidado! -, corro, corro, corro. Curva. Casa cuidadosamante coberta. Campos - café! -, colhendo: corpos calejados. Comerciante chamando criado:
- Compra café?
- Capaz!
Criado cai choramingando. Chicote. Corte. Cicatriz. Comerciante chamando:
- Compra café cretino? - cuspiu.
- Claro!
Criado cuidadosamente criado.
Continuo correndo, - calma cavalheiro! cuidado! -, corro, corro, corro. Cansei. Cachimbo. Coração calmo. Corro. Corro. Corro. Curva. Campos concentrados. Cadáveres. Cascas. Cicatrizes. Canhões. Carabinas. Corpos caídos. Chefe chamando:
- Cale-se Comunista!
Coração cortado! Cotinuo correndo, corro, corro, corro, - calma cavalheiro! cuidado!. Curva. Calçada. Crianças. Cabisbaixas. Caixas. Choro. Cocaína. Costas curvadas. Criança chamando:
- Cadê comida?
Continuo correndo. Crentes caminham, cruzes, crucificsos. Cristão chamando:
- Cristo?
- Calúnia camarada!
Crente chocado. Continuo correndo. Casas. Clubes. Comércio. Comerciantes. Coca-Cola. Carros. Criaturas. Consumo. Criaturas consumindo. Consumo consumindo criaturas. Cabeças codificadas. Capital. Capitalismo. Capitalistas. CO², - "cof cof cof " -, CO², chuva, CO², chuva. Crosta. Capitalismo cantarolando. Comerciantes cobrando. Consumo. Coca-Cola, - "cool!". Capitalismo cercando cabeças. Civilização. Coisa cruel!
- CARAMBA!!!

quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Grande pequeno público ou o meu lado pessimista

(Francisco Romero)

Certa vez no ensino médio me foi proposto o seguinte tema “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Comum ouvirmos esta frase, principalmente numa sociedade imagética como a nossa, ou seja, baseada mais nas imagens do que na escrita. Admiro esta frase e gosto das imagens, muito! É fascinante contemplar uma imagem bonita, seja ao vivo ou pela tela do micro. Há, também, as imagens impactantes dos noticiários que entram em nossas casas diariamente, a TV nos lança avalanches de imagens todos os dias, as que mostram catástrofes são retomadas e comentadas no dia seguinte. Há imagens que são consideradas por alguns como obras de arte, é o caso das fotografias de Sebastião Salgado que registram aspectos sociais e culturais do povo brasileiro, direcionam para a reflexão.

Retomando a minha tarefa de arquitetar uma redação com o tema proposto pelo professor, não lembro o que produzi, talvez tenha sido uma redação medíocre, de um aluno não muito comprometido com os estudos. No entanto, o tema não se esgotou naquele dia, penso constantemente nessa idéia, muitas vezes quando estou preparando uma aula, seja para mostrar imagens ou para discutir sobre elas, como faço agora. Por mais que não me lembre dos resultados de meus escritos penso que deve ter sido uma incoerência propositalmente lançada pelo mestre, mas por que incoerência? Pense, para escrever sobre este pensamento é preciso dominar algumas palavras, talvez mil, talvez não, mas pelo menos saber usá-las. As palavras são ferramentas valiosas para ver, interpretar e criticar o mundo. Claro que existem outras maneiras para tal interpretação, existem comunidades tribais que não possui escrita, mas as palavras grudam nas crianças, proporcionando uma memória incrível, como ferramentas. Além disso, no Brasil, temos um índice grande de analfabetismo, fenômeno este que traz outras possibilidades de interpretação e/ou limitações da realidade. Como professor, me interessa escavar os significados das leituras de imagens e de textos e, principalmente, do sentido que faz ou deixa de fazer para os estudantes do ensino médio.

Sinceramente, vibro quando sou questionado por alunos que buscam acessar os temas desenvolvidos em sala de aula e percebo vontade de potência exalando do jovem, isso potencializa minhas vontades, românticas, utópicas, mas quentes, não mornas! Mas tem outro lado, claro. A apatia também permeia entre os jovens e não há um culpado, mas vários. Gosto de uma frase que um mestre me lançou; “a escola é um espaço de contradições!”, de fato. Temos punições, correções, limitações, contenções, clientela -! -, padronizações, horários, burocracias, sinal e afins. Porém, há alguns espaços, geográficos ou não, onde a discussão pode nos levar a experimentações brilhantes, por vezes libertárias, nômades. Essa fagulha me inspira – fagulha (possibilidade: estalo, fogo, brasa, fumaça). Quem se doa a este ofício pode incendiar como pode se queimar, é o risco, não o nego, enfrento, continua sendo minha opção por mais que às vezes me sinta falando para poucos – faísca, estalo, contradições.

Por esses dias desci das escadas da utopia e me lembrei que a escola também é reflexo da sociedade, óbvio, mas as vezes esqueço. A sociedade de massa está na sala de aula, homogênea, uniforme e coesa, triste. Não sou pessimista – não muito – acredito no heterogêneo, mas por esses dias pensei mais pela ótica pessimista, confesso. Lembrei da obra, “Cultura de massas no século XX”, de Edgar Morin (1969) pensador da cultura. Ele descreve o surgimento do Grande Público, decorrente dos meios de comunicação de massa, criação do uníssono. Esta linguagem global é criada para dar conta de muitas pessoas, diferentes em diversos aspectos (econômicos, sociais, culturais), mas que terão acesso a um padrão, o da mídia. Não serei maniqueísta, mas esta diversidade vai se esboroando na criação do pensamento único. Morin destaca o principal objetivo desta cultura de massa: o lucro. A referência ao conceito de indústria cultural – caro ao filósofo Adorno – é explícita, pensemos nas produções em série de notícias, músicas, filmes e outros entretenimentos. Esta mídia tenta atingir a todos, e para isso certa linguagem deve ser criada e a cultura passa a ser nutrida nos espectadores, apreciadores. Esta linguagem não surge do nada, seu substrato é a realidade e seu produto, o imaginário. Os filmes apresentam a idéia do Happy End (final feliz), e não sei o porquê, mas lembrei da música de Zeca Baleiro que diz “favela não é hotel, vida não é novela...”.

O imaginário é pontuado de questões midiáticas e certo entendimento único vai sendo criado, como já destaquei. Além da expectativa do final feliz, do bem vence o mal, entre outros maniqueísmos correntes, há um anseio pelo novo. Como assim? Bom, principalmente no Brasil, país que valoriza a inovação e rejeita o velho, um filme que tenha mais de um ano se torna obsoleto. Nesta questão lembro-me de meus alunos. Basta ligar o projetor na sala para ouvir a pergunta “é filme velho?”. Respondo com uma indagação, “como assim? Não entendi”. Claro que captei o sentido: “este filme é daqueles velhos, que não tem uma estética nova e apresenta personagens com cabelos engraçados?”. O estudante já pressupõe que vai ser um saco a apresentação, “nada a ver”. Pois bem, neste ponto parece que tudo que foge do conhecido é repelido. Não é comédia romântica, não é besteirol, não é erótico (num sentido banal da mídia aberta), não tem efeitos especiais, não tem sangue espirrando, então, não presta! É incrível como parece existir um molde que impede um público de apreender novas experiências. Muitas são as contradições, pois há uma repetição do novo, poucas experimentações, a última banda da moda é parecida com a anterior, assim como a última comédia romântica, o molde é semelhante. Eu avisei, estou pessimista. Mas a contradição que achei mais interessante, nesse âmbito, foi a que li de um articulista, que afirmava que em nosso país, que apenas se valoriza o novo, tornamo-nos um país do passado, porque não tem memória, porque repete os mesmos erros (vide Senado).

A criação da grande mídia possibilita maior acesso... encerro aqui, não estou espirituoso, deixo este parágrafo para outro dia.

Há a ilusão de estar-se inovando quando se rejeita o velho, besteira. Não se sabe nem o que é o velho, não existe palavras para descrevê-lo, o repertório é raso (faisquinha). A imagem não é interpretada, é passada “guela a baixo”, sem reflexão – consuma! Inove! Doce espetáculo, doce ditadura.

O filósofo Kant (1724-1804) ao tentar resolver o problema da teoria do conhecimento (embate entre racionalistas e empiristas) afirmou que o ser humano não nasce com a razão, nem que a experiência em si possibilita chegar à verdade. Para ele, nascemos com um equipamento para apreender o conteúdo do mundo através da experiência, ou seja, razão e experiência caminham juntas. Para exemplificar, pensemos naquele que nasceu cego e a recobra aos 40 anos: olhará, mas não entenderá o que está a sua frente, mesmo que seja a habitual escova de dente. Ele possui o equipamento, mas não tem a experiência. Esta ideia foi desenvolvida no filme “A primeira vista” (1999), do diretor Irwin Winkler. De fato, os equipamentos de sentidos podem ou não se desenvolver. Não precisa ser cego para ter o sentido atrofiado.

Assim, às vezes penso que há uma espécie de ‘inovação repetida’, ou seja, busca-se o novo, mas dentro de um espaço restrito. As experimentações cessam, caminhos homogêneos e medíocres substituem as energias rebeldes criativas, inovadoras, de vir. Uma imagem pode valer mais que mil palavras, mas se não há desenvolvimento do repertório, se utilizará sempre as mesmas mil palavras, se tanto.


(Ao autor: muito obrigada pelas palavras emprestadas!).

segunda-feira, 21 de setembro de 2009

Sem palavras

(Tamy Fernandes)"A palavra é metade de quem a pronuncia, metade de quem a ouve." Um dia, Michel de Montaigne, filósofo francês, uniu treze palavras e montou tal frase. Mas, antes de serem escritas, Montaigne pensou em cada uma delas, e as treze, uma a uma, foram saindo de sua boca, para só mais tarde, repousarem em uma das páginas de sua coletânea de pensamentos. Michel de Montaigne tinha razão.
As palavras são as pontes que levam a informação, a emoção, a poesia e até a música, de um indivíduo a outro. Trata-se da linguagem como aproximadora de universos.

É difícil imaginarmos, nos dias de hoje em particular, uma forma rápida e eficaz de comunicação, sem fazer uso das palavras. O uso da linguagem se faz presente 24 horas por dia.

Linguagens verbais, virtuais ou escritas, unem-se com o mesmo propósito: a transmissão de uma ideia. E ao serem transmitidas, as palavras ganham tanta força, que podem, por muitas vezes, se tornarem perigosas - Hitler e Mussoluni, por exemplo, sabiam conduzi-las tão bem, que acabaram, indiretamente, matando milhões de pessoas.

Se avaliado, o conceito de que "uma imagem vale mais do que mil palavras", vem por água abaixo, á medida que uma boa imagem se faz também da capacidade do bom uso das palavras. Elas têm sim, o poder de "embelezar" as pessoas. A boa comunicação é tão estimulante quanto café puro.

Podemos observar mais de perto a importância da linguagem no aprendizado e alfabetização de uma criança, por exemplo. Ainda que as palavras não sejam reproduzidas na sua mais perfeita sonoridade, as crianças conseguem ainda assim, assimilar a palavra ao objeto, constróem frases curtas, pedem ou recusam, através das palavras, que passam a ser desenvolvidas e aprimoradas dia após dia.

As palavras, nos seus mais variados usos, são indispensáveis. E não é preciso ocupar uma cadeira na Academia de Letras para amá-las. Basta estar vivo para entender o quão preciosas são, porque a vida meu caro, seja a mais simples ou a mais embaraçosa, se resolve com palavras.

sexta-feira, 18 de setembro de 2009

Linha 77

(Tamy F.)

Jack estava sentado no último banco do ônibus que ia de Leesburg rumo á Fawcett City. Olhava para os próprios pés o tempo todo, e não movia sequer os dedos da mão. Estava frio em Leesburg quando ele deixou a estação e subiu cambaleando no ônibus da linha 77. Pisou o primeiro degrau com o pé esquerdo, o segundo, o pé direito levantou do asfalto, tocou o degrau, mais uma vez o pé esquerdo entrou em cena, o terceiro degrau, pronto, Jack estava dentro do ônibus. Logo que entrou, ainda de pé, sentiu o cheiro de suor daqueles trabalhadores que voltavam das fábricas, das fábricas de gente, de mente e de corpo. Pequenos robôs que suavam frio dentro daquele ônibus. Fora os trabalhadores, umas moças de uns vinte e sete anos sentavam perto da janela. Eram três. Duas loiras e uma coreana. Jack disse ao policial em Fawcett City, que as moças cheiravam a açúcar queimado.
Não havia um lugar vago no ônibus. Jack olhou em volta, nada. Ficou alí, parado no meio do assoalho metálico e sujo da linha 77. Quatro minutos, um barulho de tosse veio do fundo do ônibus. Jack olhou. Um andarilho, maltrapilho, sujo e anônimo como um cão atropelado. Jack saiu do lugar onde estava estacionado a quatro minutos, deu um passo, dois, mais um passo, quatro, cinco, outro, sete, o último. Lá estava Jack de pé, em frente ao homem-maltrapilho e sua sacola marrom no banco ao lado. O maltrapilho ergueu os olhos negros e encontrou os azuis de Jack Hassan. A voz do americano, tão maltrapilho e sujo quanto ao próprio maltrapilho que acabara de conhecer, saiu de sua garganta:
- Posso? - disse com o dedo indicador da mão direita apontado para a sacola marrom daquele homem-lixo.
Não ouviu a resposta. O maltrapilho gemia. Jack pegou a sacola, - era leve -, sentou, cruzou as pernas e a sacola veio repousar naqueles ossos compridos cobertos por um jeans surrado. O maltrapilho gemia. Jack tossiu:
- Não se preocupe, sua sacola está bem confortável aqui. - Riu.
O maltrapilho gemia. Jack não desistiu:
- O que tem aqui? É bem leve.
O maltrapilho, entre mais um gemido e uma tosse, respondeu:
- Papéis.
- Papéis? - não podia deixar o maltrapilho se calar de novo.
- Não me ouviu?
- Sim, claro, perfeitamente. Só achei curioso carregar papéis. - Jack engoliu a saliva acumulada na boca.
O maltrapilho calou-se. Jack também.
O ônibus parou, um homem alto e forte subiu. Usava um terno preto, sapatos de couro e uma maleta. O maltrapilho gemia. O homem procurou um lugar vago, nada. Olhou para o fundo do ônibus. Olhou para Jack, depois, para o maltrapilho. Caminhou. Passos largos. O sapato, ''toc toc toc'' no assoalho metálico. O maltrapilho gemia. O homem parou:
- Por favor cavalheiro...
O maltrapilho levantou, arrastou os pés imundos, olhou para a sacola, depois para Jack, gemeu, apertou a campanhia, o ônibus parou, uma última olhada para a sacola, um degrau, dois, três, desceu.
O homem de terno tirou um lenço do bolso, limpou o banco, sentou. Jack olhou para a sacola marrom, dois segundos, abriu. Papeís. Três folhas amareladas. O ônibus freou, Jack derrubou as folhas. Abaixou, e lá de baixo viu todos aqueles homens, mulheres, velhos e crianças olhando para ele. Todos olhando para ele. Todos aqueles homens bem sucedidos, e aquelas mulheres vazias, as crianças mimadas e os velhos fanáticos, olhando para ele. Jack ficou pálido, "eles viram a arma na minha cintura, sim a arma está aparecendo", pensou. Ainda curvado para frente, Jack leu naquelas folhas amareladas, uma frase de Platão, "uma vida não questionada não merece ser vivida". Jack sabia o porquê de estar alí, sabia desde quando entrou naquele ônibus na estação em Leesburg. "Uma vida não questionada não merece ser vivida". Jack levantou, - a essa hora todos aqueles homens-dinheiro, mulheres-dinheiro, crianças-dinheiro e velhos-dinheiro já estavam gritando. Jack pegou a arma, dedo no gatilho, tiros. Não sobrou ninguém no ônibus, os que não foram atingidos, correram. Jack voltou ao fundo do ônibus, sentou. Vinte minutos e a polícia estava lá. Algemas. Câmeras, jornalistas, polícia, políticos, multidão, massa, homogeineidade. Um rebanho de homens e mulheres, - e cabe dizer que todos eles estavam dizendo que a violência que alí acontecera, foi consequência das drogas, do álcool, das armas, daquele jovem maluco -, corriam de um lado para o outro. Jack parou, olhou para o rebanho. Gritou:
- Vocês são rebanhos nessa terra! Todos vocês! Governados, manipulados e cegos! - Jack já estava rouco.
Um policial sacou a arma, "bang!", Jack caiu. Pronto, menos uma voz crítica no mundo da política.
O maltrapilho gemia, do outro lado da rua, sentado na calçada. Gemia, tosse, tosse, gemia. A mão trêmula escrevia sua última frase, "não há nada de errado com aqueles que não gostam de política...", gemia, mais tosses, agora com falta de ar, "... simplismente serão governados por aqueles que gostam". O maltrapilho pôs um ponto final ao texto de quinze linhas que tinha ganhado vida, alí mesmo, na calçada. E como todo ''Final Feliz do Curral Político", a ovelha negra desgarrada do rebanho, morreu.
Jack Hassan, 19 anos, jogador de beisebol nos fins de semana, colecionador de carros antigos e tampas de garrafa; não comia carne, não bebia nem fumava, mas - que estupidez! -, gostava de política.

De punhos fechados

(Tamy Fernandes)

Sala de aula, carteiras enfileiradas frente ao quadro negro, várias vozes vindas de jovens uniformizados preenchem o ambiente, um dedo apontado para uma cabeça pousada sobre a carteira indica como uma seta o alvo a ser atingido. Um cenário perfeito para o bullying atuar. Pena não se tratar apenas de uma peça teatral, onde vilões e vítimas, acabam de mãos dadas agradecendo os aplausos da platéia ao final.
Bullying é um termo inglês utilizado para descrever atos de violência, física ou psicológica, praticados por um ou mais indivíduos, com o objetivo de agredir ou ridicularizar outro indivíduo mais fragilizado dentro de um ambiente escolar.
Além das consequências para a vítima que sofre desse mal, o que mais preocupa são as dimensões que essa prática vem tomando. Estudantes com menos de dez anos de idade, já se reúnem em grandes ou pequenos grupos, para agredir ou gozar de um outro colega incapaz de se defender. A garota de óculos, caminha sempre cabisbaixa com os olhos voltados para os próprios pés, o garoto gordinho, é visto sempre agasalhado em um suéter grosso, o rapaz tímido num canto do pátio, o baixinho, o fraquinho, o mais alto, o mais magro, este ou aquele são apontados negativamente como portadores de qualquer característica, seja ela física ou não, que os levem a ser intimidados e excluídos do meio social em que vivem.
Podemos notar ações semelhantes num ambiente de trabalho, - o chamado mobbing -, onde a vítima sofre desde assédios até humilhações vindas de colegas ou chefes, ambos com o intuito de rebaixar ou até mesmo eliminar este indivíduo de possíveis concorrências ou ocupações de cargos mais altos.
A solução para estes problemas é mais complexa do que se imagina. Antes de se estabelecerem métodos anti-agressões, é necessário que haja o conhecimento, por parte de pais e professores, sobre seus próprios filhos e alunos, possibilitando assim, uma identificação adiantada de qualquer possível surgimento de um receptor ou praticante de bullying. A cooperação dos alunos também é fundamental no combate á prática dessas ações.
E o mais importante: manter um diálogo aberto e debates sobre o tema em escolas, trabalho e casa.
A solução de fato, não está na cura, mas sim na famosa e eficiente prevenção.

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Espinho inflamado

(Tamy Fernandes)

Certa vez, nas primeiras páginas de um livro - e não era um livro que possa ser comparado com qualquer outro -, lí sobre Nathanael West e seu espinho no dedo, que só doía quando escrevia.

Fiquei pensando, como seria ter um espinho desses cravado bem no meio do dedo de um escritor. Devia incomodar de fato, e justamente por isso, as histórias ficavam tão boas.

De todos os autores que conheci, (e não se faz necessário dizer que foram através de suas obras, sim?) creio que alguns deles, e são poucos sim mas, tinham vários espinhos bem debaixo das unhas, e todos muito inflamados. O dedo deles devia sangrar, talvez por isso a cada página virada, um gosto de sangue me subia á boca, e eu sentia todos aqueles espinhos riscando minha língua.

Com a boca cheia do sangue do Palahniuk, Malcolm Lowry, Nietzche, Gogol, Bukowsky, Kerouac, eu cuspia tudo de volta naquelas páginas, e os espinhos voltavam para debaixo das unhas de todos eles.

De vez em quando, um espinho caído sobre alguma página, escorregava e ia parar debaixo da minha unha. Nessa hora, virar aquelas páginas todas, doía. Os espinhos inflamados doíam nos autores, doíam nos leitores. E o primeiro grupo fazia isso de propósito. Eram tão inteligentes que, sem muitos esforços, sacaram que aqueles famosos ''soco no estômago'' da sociedade já estava demasiadamente banalizado. O negócio era investir nos espinhos.

Você só sente um soco quando fecha o livro, é a doce despedida do autor diretamente no seu estômago cheio de caviar e champagne importada. Agora, um espinho, entra debaixo da sua pele logo na primeira página e só vai sair de lá se você amputar o dedo. Por isso todos tem medo desse tipo de literatura; tanto medo que andam de luvas pelas bibliotecas.

Alguns autores, de tão bons, tornaram-se o próprio espinho. Vieram deles todos aqueles livros arranhados, furados e moribundos. Vieram deles, todos aqueles livros, que te agarram pelo colarinho e ameaçam cravar um espinho bem no meio da sua garganta.

Os livros, são campos de batalha meu caro, ou você luta, ou vai pro inferno sem nenhuma cicatriz de espinho cravado.

segunda-feira, 7 de setembro de 2009

Novas fotos!

Sim, mais fotos foram parar no Flickr.

domingo, 6 de setembro de 2009

Kurumaném

(Tamy Fernandes)

Pero Vaz de Caminha estava ao meu lado. Á minha direita, para ser mais exato.

O português olhava compenetrado por entre a mata que acabara de descobrir. Seus homens, todos vestidos de um pano fino de seda, me analisavam dos pés a cabeça, como se o índio daquela terra, fosse eu.

O ar naquele dia estava tão fresco, que podíamos ouvir o vento susurrando em nossos ouvidos. Tudo era feito de silêncio e verde, muito verde, como deveria de ser.

Pero Vaz de Caminha era o nosso chefe. Guiava-nos pela mata que, nem mesmo ele, conhecia. Por sinal, ele parecia entre todos que alí estavam, ser o mais desorientado. Deus do céu, ele estava tão confuso!

Caminhamos. Horas e horas, todos nós, caminhamos.

Os portugueses cruzavam a mata todos os dias em direção a uma aldeia de nativos, todos muito assustados, chamada Tupinambá. Desde o descobrimento da nova terra que eles, os portugueses, só faziam isso: idas e vindas com caixas e mais caixas de objetos europeus.

Quanto aos nativos, ora estavam correndo com suas vergonhas de fora, ora estavam correndo atrás daqueles portugueses sem vergonhas!

Pobre daqueles nativos. Aceitavam tudo o que lhes era dado, por mera, e natural é claro, curiosidade. Eu sempre via algumas crianças, sim todas nuas, correndo com espelhos nas mãos e rindo toda vez que a imagem daqueles rostinhos morenos e pintados de vermelho refletia no objeto.

O chefe da aldeia chamava-se Kurumaném, e aparentava ter uns setenta anos. Não falava muito e, raramente, podíamos vê-lo andando pela aldeia.

Um dia porém, sentado num tronco de árvore, eu olhava distraído para um grupo de nativos que trazia da mata uma cesta lotada de urucum, quando ví aquele homem rígido de aparentáveis setenta anos, andando com um passo mais acelerado que o de costume, trazendo nas mãos um sapato de couro preto. Além do calçado, trazia estampado no rosto selvagem, um sorriso amarelado. Atrás dele, vinham dois portugueses mandando-o, através de gestos exagerados, calçar o ''presente''.

O selvagem ainda de pé, passou o objeto da mão direita para a esquerda, e num esforço quase que inútil, calçou-o. Deu três passos. Abaixou-se. Os portugueses riam e batiam palmas. Abaixado, o selvagem arrancou do pé o sapato e, olhando para o céu com o sorriso amarelado estampado na cára, atirou-o num movimento tão forte que, até hoje, os portugueses acreditam que o primeiro homem a pisar na lua, foi sem dúvida, aquele nativo.

sábado, 5 de setembro de 2009

Liberdade: um sonho humano

(Tamy Fernandes)

"Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta, que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda." A palavra de sentido inalcançável de Cecília Maireles continua, e desde sempre, sendo alimentada por infinitos sonhos humanos.

Ora por homens religiosos, sonhando com a liberdade de culto ao seu deus, ora por homens ateus, sonhando com a liberdade de simplismente não crer e serem, ainda sim, respeitados. Homens negros, escravos, gritando a liberdade nos ouvidos de seus senhores. Homens presos, enjaulados, implorando liberdade a seus juizes. Até mesmo nosso Brasil-Colônia comemorava, em 1822, a liberdade concedida por Portugal. Afinal, o que é essa tal liberdade?

Utopia talvez. Ou, quem sabe, uma palavra posta no dicionário para confrontar, e instigar, homens e mulheres rodeados por leis, sistemas, crenças, correntes e o medo, esse sim, o maior veneno contra a liberdade e os que sonham com ela.

Essa palavra tão grande em sua essência, e ainda assim indecifrável, faz-se pequena quando posta de frente ao medo que, nós, os humanos sonhadores, também alimentamos, encolhe-se e, cabisbaixa, escorre sempre e sempre dos dedos que pareciam agarrá-la.

O medo de quebrar regras, recusar leis, criticar opiniões, descartar sistemas, duvidar de crenças, e tantas outras ações, faz com que sonhemos, e só sonhemos, com o dia em que poderemos abraçar a liberdade. Eis enfim, o grande problema.

A liberdade é a imagem refletida de um espelho chamado oportunidade. O homem enxerga sua liberdade no poder de escolha. Na autonomia de dizer sim ou não.

Iludem-se aí os "homens livres", pois até mesmo essas escolhas que lhes dão a ideia de liberdade, só são escolhas porque vieram de perguntas, estas feitas (e cabe salientar) por terceiros. Perguntas e respostas de um reality show chamado Capitalismo Selvagem.

E dentre as respostas e as perguntas, a liberdade, tão violenta e tão delicada, será sempre para o primeiro, o que questiona, a pergunta, e mais: a chance de continuar perguntando, pois para o segundo, o que responde, a resposta será sempre a sua (falsa) "liberdade".