quarta-feira, 23 de setembro de 2009

Grande pequeno público ou o meu lado pessimista

(Francisco Romero)

Certa vez no ensino médio me foi proposto o seguinte tema “uma imagem vale mais do que mil palavras”. Comum ouvirmos esta frase, principalmente numa sociedade imagética como a nossa, ou seja, baseada mais nas imagens do que na escrita. Admiro esta frase e gosto das imagens, muito! É fascinante contemplar uma imagem bonita, seja ao vivo ou pela tela do micro. Há, também, as imagens impactantes dos noticiários que entram em nossas casas diariamente, a TV nos lança avalanches de imagens todos os dias, as que mostram catástrofes são retomadas e comentadas no dia seguinte. Há imagens que são consideradas por alguns como obras de arte, é o caso das fotografias de Sebastião Salgado que registram aspectos sociais e culturais do povo brasileiro, direcionam para a reflexão.

Retomando a minha tarefa de arquitetar uma redação com o tema proposto pelo professor, não lembro o que produzi, talvez tenha sido uma redação medíocre, de um aluno não muito comprometido com os estudos. No entanto, o tema não se esgotou naquele dia, penso constantemente nessa idéia, muitas vezes quando estou preparando uma aula, seja para mostrar imagens ou para discutir sobre elas, como faço agora. Por mais que não me lembre dos resultados de meus escritos penso que deve ter sido uma incoerência propositalmente lançada pelo mestre, mas por que incoerência? Pense, para escrever sobre este pensamento é preciso dominar algumas palavras, talvez mil, talvez não, mas pelo menos saber usá-las. As palavras são ferramentas valiosas para ver, interpretar e criticar o mundo. Claro que existem outras maneiras para tal interpretação, existem comunidades tribais que não possui escrita, mas as palavras grudam nas crianças, proporcionando uma memória incrível, como ferramentas. Além disso, no Brasil, temos um índice grande de analfabetismo, fenômeno este que traz outras possibilidades de interpretação e/ou limitações da realidade. Como professor, me interessa escavar os significados das leituras de imagens e de textos e, principalmente, do sentido que faz ou deixa de fazer para os estudantes do ensino médio.

Sinceramente, vibro quando sou questionado por alunos que buscam acessar os temas desenvolvidos em sala de aula e percebo vontade de potência exalando do jovem, isso potencializa minhas vontades, românticas, utópicas, mas quentes, não mornas! Mas tem outro lado, claro. A apatia também permeia entre os jovens e não há um culpado, mas vários. Gosto de uma frase que um mestre me lançou; “a escola é um espaço de contradições!”, de fato. Temos punições, correções, limitações, contenções, clientela -! -, padronizações, horários, burocracias, sinal e afins. Porém, há alguns espaços, geográficos ou não, onde a discussão pode nos levar a experimentações brilhantes, por vezes libertárias, nômades. Essa fagulha me inspira – fagulha (possibilidade: estalo, fogo, brasa, fumaça). Quem se doa a este ofício pode incendiar como pode se queimar, é o risco, não o nego, enfrento, continua sendo minha opção por mais que às vezes me sinta falando para poucos – faísca, estalo, contradições.

Por esses dias desci das escadas da utopia e me lembrei que a escola também é reflexo da sociedade, óbvio, mas as vezes esqueço. A sociedade de massa está na sala de aula, homogênea, uniforme e coesa, triste. Não sou pessimista – não muito – acredito no heterogêneo, mas por esses dias pensei mais pela ótica pessimista, confesso. Lembrei da obra, “Cultura de massas no século XX”, de Edgar Morin (1969) pensador da cultura. Ele descreve o surgimento do Grande Público, decorrente dos meios de comunicação de massa, criação do uníssono. Esta linguagem global é criada para dar conta de muitas pessoas, diferentes em diversos aspectos (econômicos, sociais, culturais), mas que terão acesso a um padrão, o da mídia. Não serei maniqueísta, mas esta diversidade vai se esboroando na criação do pensamento único. Morin destaca o principal objetivo desta cultura de massa: o lucro. A referência ao conceito de indústria cultural – caro ao filósofo Adorno – é explícita, pensemos nas produções em série de notícias, músicas, filmes e outros entretenimentos. Esta mídia tenta atingir a todos, e para isso certa linguagem deve ser criada e a cultura passa a ser nutrida nos espectadores, apreciadores. Esta linguagem não surge do nada, seu substrato é a realidade e seu produto, o imaginário. Os filmes apresentam a idéia do Happy End (final feliz), e não sei o porquê, mas lembrei da música de Zeca Baleiro que diz “favela não é hotel, vida não é novela...”.

O imaginário é pontuado de questões midiáticas e certo entendimento único vai sendo criado, como já destaquei. Além da expectativa do final feliz, do bem vence o mal, entre outros maniqueísmos correntes, há um anseio pelo novo. Como assim? Bom, principalmente no Brasil, país que valoriza a inovação e rejeita o velho, um filme que tenha mais de um ano se torna obsoleto. Nesta questão lembro-me de meus alunos. Basta ligar o projetor na sala para ouvir a pergunta “é filme velho?”. Respondo com uma indagação, “como assim? Não entendi”. Claro que captei o sentido: “este filme é daqueles velhos, que não tem uma estética nova e apresenta personagens com cabelos engraçados?”. O estudante já pressupõe que vai ser um saco a apresentação, “nada a ver”. Pois bem, neste ponto parece que tudo que foge do conhecido é repelido. Não é comédia romântica, não é besteirol, não é erótico (num sentido banal da mídia aberta), não tem efeitos especiais, não tem sangue espirrando, então, não presta! É incrível como parece existir um molde que impede um público de apreender novas experiências. Muitas são as contradições, pois há uma repetição do novo, poucas experimentações, a última banda da moda é parecida com a anterior, assim como a última comédia romântica, o molde é semelhante. Eu avisei, estou pessimista. Mas a contradição que achei mais interessante, nesse âmbito, foi a que li de um articulista, que afirmava que em nosso país, que apenas se valoriza o novo, tornamo-nos um país do passado, porque não tem memória, porque repete os mesmos erros (vide Senado).

A criação da grande mídia possibilita maior acesso... encerro aqui, não estou espirituoso, deixo este parágrafo para outro dia.

Há a ilusão de estar-se inovando quando se rejeita o velho, besteira. Não se sabe nem o que é o velho, não existe palavras para descrevê-lo, o repertório é raso (faisquinha). A imagem não é interpretada, é passada “guela a baixo”, sem reflexão – consuma! Inove! Doce espetáculo, doce ditadura.

O filósofo Kant (1724-1804) ao tentar resolver o problema da teoria do conhecimento (embate entre racionalistas e empiristas) afirmou que o ser humano não nasce com a razão, nem que a experiência em si possibilita chegar à verdade. Para ele, nascemos com um equipamento para apreender o conteúdo do mundo através da experiência, ou seja, razão e experiência caminham juntas. Para exemplificar, pensemos naquele que nasceu cego e a recobra aos 40 anos: olhará, mas não entenderá o que está a sua frente, mesmo que seja a habitual escova de dente. Ele possui o equipamento, mas não tem a experiência. Esta ideia foi desenvolvida no filme “A primeira vista” (1999), do diretor Irwin Winkler. De fato, os equipamentos de sentidos podem ou não se desenvolver. Não precisa ser cego para ter o sentido atrofiado.

Assim, às vezes penso que há uma espécie de ‘inovação repetida’, ou seja, busca-se o novo, mas dentro de um espaço restrito. As experimentações cessam, caminhos homogêneos e medíocres substituem as energias rebeldes criativas, inovadoras, de vir. Uma imagem pode valer mais que mil palavras, mas se não há desenvolvimento do repertório, se utilizará sempre as mesmas mil palavras, se tanto.


(Ao autor: muito obrigada pelas palavras emprestadas!).

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