sexta-feira, 11 de setembro de 2009

Espinho inflamado

(Tamy Fernandes)

Certa vez, nas primeiras páginas de um livro - e não era um livro que possa ser comparado com qualquer outro -, lí sobre Nathanael West e seu espinho no dedo, que só doía quando escrevia.

Fiquei pensando, como seria ter um espinho desses cravado bem no meio do dedo de um escritor. Devia incomodar de fato, e justamente por isso, as histórias ficavam tão boas.

De todos os autores que conheci, (e não se faz necessário dizer que foram através de suas obras, sim?) creio que alguns deles, e são poucos sim mas, tinham vários espinhos bem debaixo das unhas, e todos muito inflamados. O dedo deles devia sangrar, talvez por isso a cada página virada, um gosto de sangue me subia á boca, e eu sentia todos aqueles espinhos riscando minha língua.

Com a boca cheia do sangue do Palahniuk, Malcolm Lowry, Nietzche, Gogol, Bukowsky, Kerouac, eu cuspia tudo de volta naquelas páginas, e os espinhos voltavam para debaixo das unhas de todos eles.

De vez em quando, um espinho caído sobre alguma página, escorregava e ia parar debaixo da minha unha. Nessa hora, virar aquelas páginas todas, doía. Os espinhos inflamados doíam nos autores, doíam nos leitores. E o primeiro grupo fazia isso de propósito. Eram tão inteligentes que, sem muitos esforços, sacaram que aqueles famosos ''soco no estômago'' da sociedade já estava demasiadamente banalizado. O negócio era investir nos espinhos.

Você só sente um soco quando fecha o livro, é a doce despedida do autor diretamente no seu estômago cheio de caviar e champagne importada. Agora, um espinho, entra debaixo da sua pele logo na primeira página e só vai sair de lá se você amputar o dedo. Por isso todos tem medo desse tipo de literatura; tanto medo que andam de luvas pelas bibliotecas.

Alguns autores, de tão bons, tornaram-se o próprio espinho. Vieram deles todos aqueles livros arranhados, furados e moribundos. Vieram deles, todos aqueles livros, que te agarram pelo colarinho e ameaçam cravar um espinho bem no meio da sua garganta.

Os livros, são campos de batalha meu caro, ou você luta, ou vai pro inferno sem nenhuma cicatriz de espinho cravado.

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