quinta-feira, 18 de março de 2010

Página nada

Tamy Fernandes

Página 1. E por onde começar?
Começo falando dos que sentem fome ou dos que sentem frio? Dos que não ouvem ou dos que não falam? Daqueles que tocam ou daqueles que cantam? Ou falo de todos eles que, na verdade, são um só?
Começo entregando 1 real ao pedinte da esquina ou poupando-o ao lavador de vidros do semáforo seguinte? Compro um doce do gurizinho descalço ou um sorvete para o de 3 anos sentado na calçada? Abraço o que chora ou o que grita? Ouço o lamento ou o protesto?
Defendo quem? E para quê? Deixo que me leiam ou leio de uma vez todos eles?
A insônia é de quem? Do que nunca dorme ou do que nunca acorda?
Falo com quem? Com os de terno preto ou com os rasgados da ponte?
Assisto a Copa, a política ou o Tsunami? Ou me calo de uma vez e deixo passar?
Passar todos os que sofrem da arte, da fome e do frio, bem na minha frente.
Passar todos eles para a página 2. Puxá-los mais tarde á página 1. E por fim, ao fim que é deles e de mais ninguém, deixá-los ir para casa, de madeira, de barro, de plástico, de ponte, de viaduto, de calçada e de lata, de página nada.