domingo, 6 de setembro de 2009

Kurumaném

(Tamy Fernandes)

Pero Vaz de Caminha estava ao meu lado. Á minha direita, para ser mais exato.

O português olhava compenetrado por entre a mata que acabara de descobrir. Seus homens, todos vestidos de um pano fino de seda, me analisavam dos pés a cabeça, como se o índio daquela terra, fosse eu.

O ar naquele dia estava tão fresco, que podíamos ouvir o vento susurrando em nossos ouvidos. Tudo era feito de silêncio e verde, muito verde, como deveria de ser.

Pero Vaz de Caminha era o nosso chefe. Guiava-nos pela mata que, nem mesmo ele, conhecia. Por sinal, ele parecia entre todos que alí estavam, ser o mais desorientado. Deus do céu, ele estava tão confuso!

Caminhamos. Horas e horas, todos nós, caminhamos.

Os portugueses cruzavam a mata todos os dias em direção a uma aldeia de nativos, todos muito assustados, chamada Tupinambá. Desde o descobrimento da nova terra que eles, os portugueses, só faziam isso: idas e vindas com caixas e mais caixas de objetos europeus.

Quanto aos nativos, ora estavam correndo com suas vergonhas de fora, ora estavam correndo atrás daqueles portugueses sem vergonhas!

Pobre daqueles nativos. Aceitavam tudo o que lhes era dado, por mera, e natural é claro, curiosidade. Eu sempre via algumas crianças, sim todas nuas, correndo com espelhos nas mãos e rindo toda vez que a imagem daqueles rostinhos morenos e pintados de vermelho refletia no objeto.

O chefe da aldeia chamava-se Kurumaném, e aparentava ter uns setenta anos. Não falava muito e, raramente, podíamos vê-lo andando pela aldeia.

Um dia porém, sentado num tronco de árvore, eu olhava distraído para um grupo de nativos que trazia da mata uma cesta lotada de urucum, quando ví aquele homem rígido de aparentáveis setenta anos, andando com um passo mais acelerado que o de costume, trazendo nas mãos um sapato de couro preto. Além do calçado, trazia estampado no rosto selvagem, um sorriso amarelado. Atrás dele, vinham dois portugueses mandando-o, através de gestos exagerados, calçar o ''presente''.

O selvagem ainda de pé, passou o objeto da mão direita para a esquerda, e num esforço quase que inútil, calçou-o. Deu três passos. Abaixou-se. Os portugueses riam e batiam palmas. Abaixado, o selvagem arrancou do pé o sapato e, olhando para o céu com o sorriso amarelado estampado na cára, atirou-o num movimento tão forte que, até hoje, os portugueses acreditam que o primeiro homem a pisar na lua, foi sem dúvida, aquele nativo.

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