quarta-feira, 7 de outubro de 2009

(Tamy Fernandes)

Numa tarde de quarta-feira, entre 13:40 e 17:00, enquanto caminhava despretenciosamente pelas ruas e calçadas da cidade - como sempre faço toda quarta-feira -, resolvi contar por quantos "capitalizados" e por quantos "marginalizados" eu passava. Queria contar todos aqueles rostos sem ter de debruçar-me sobre uma mesa e traçar escalas e gráficos aqui e alí.
Logo na primeira rua, contei 1 cachorro vira-lata e 2 maltrapilhos tão sujos quanto o cão. E que engraçado né camaradinhas: os 3 reviravam o mesmo lixo.
Três ruas abaixo e eu já havia contado mais de 20 capitalizados. Parece muito, mas muito mesmo, foram os números de crianças descalças perambulando as ruas com caixinhas de doces nas mãos. Não camaradinhas, elas não estavam comendo os doces, não mesmo! Havia também um senhor de uns aparentes 70 anos, que sentado num meio-fio, resmungava algo para sí mesmo. É claro que ele não falava em voz alta. Os anos em que ficou gritando, pedindo socorro, lhe feriram a garganta. Agora, os lamentos seguem em voz baixa. E quem quiser ouví-los, terá de encostar a orelha bem perto daquela boca faminta, e terá além do mais, que se curvar, porque o homem de tão sofrido já pendia a cabeça corpo abaixo. Pobre homem! Ele já sabe que a burguesia não se curva.
Quando passei por ele, olhei bem para o seu rosto e, acreditem, tinha cor de terra pisada, - e não preciso dizer de quem foram os pés que marcaram o rosto daquele homem, sim?.
Eu já estava andando por mais de 1 hora. E como era de se esperar, eu já havia perdido a conta de quantos rostos indiferentes haviam passado por mim. Foram tantos, que... ah, é uma pena!
Se calculado, - e vamos tentar os números, já que as imagens por sí só não comovem á ninguém -, o número de desolados multiplicado pelos dias da semana, vamos obter um número de aproximadamente, 35 seres humanos maltratados de segunda á segunda. E, multiplicando isso por 365 dias, tenho certeza que o número ultrapassa o valor do último carro importado, da mensalidade da escola, das bolsas e carteiras de couro, do tapete italiano...sim sim.
Estava muito quente hoje, não? Mas tinha uma mulher com um suéter vermelho de lã puxando um carrinho de ferro cheio de papelão. E ví também um homem deitado numa porta com uma manta grossa cobrindo o rosto. Mas estava muito quente hoje, não?
Não andei até ás 17:00. Perambulei até ás 15:45 exatamente. Comprei uma garrafa de água e fui pra casa. E, apesar de não morrer de amores pela matemática, eu fui fazendo meus cálculos.
Talvés seja essa a sacada: os números. As pessoas gostam de números. Literalmente.

2 comentários:

  1. Querida Tamy, a cada leitura que faço de seus textos percebo um olhar etnográfico, você flana com o cotidiano, maravilhoso. Abração - Romero

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  2. Ah cára, muito obrigada! Valeu mesmo pelo apoio e incentivo que você tem me dado. Abraço Romerão sangue bão! \o/

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